Páginas

FACEBOOK

20 de fevereiro de 2019

Resenha: O olho da Rua, faz olhar além da rua, de Eliane Brum

FOTO

Eliane tem um dom maravilhoso para a escrita, com o jeito espontâneo e inteligente para usar as palavras a seu favor. Como ela diz "faço um parto das palavras". Se as palavras são seu filho é impossível não ter orgulho dessa criança cheia de histórias. Sinceramente sou suspeita pela paixão que sinto ao ler os seus textos, pois a anos leio sua coluna no El Pais e a cada leitura fico mais admirada pelo seu trabalho. Porém esse foi o primeiro livro que li dela e estou ansiosa para ler os demais.

O título não conseguiria ser mais completo que o "O olho da rua", devido o olhar profundo e delicado de Eliane em ir nos lugares e contar a historia de pessoas que não tem voz. Mais através de dela essas pessoas se abrem com o coração e alma para serem escutadas e ganharem voz.

Por esse carinho com cada pessoa e a preciosidade de dar voz, para quem não tem, foi um dos motivos, uma por forte influencia da Eliane, por eu ter escolhido o jornalismo como profissão de vida e alma. Ela tem muito amor pelo que faz, sempre reflete os ensinamentos dos seus mais de 20 anos de carreira e a cada novo "personagem"(acho melhor usar aspas, pois são pessoas reais) surgem novas reflexões. Como ela mesma diz:"Se um dia eu voltar a mesma de uma viagem para a floresta do Amapá ou para a periferia de São Paulo, abandono a profissão"

Acho sinceramente que ela, felizmente, nunca vai abandonar o profissão.

Importante destacar esse livro foi feito com algumas reportagens dela quando estava na revista Época, então tem matérias de 2000 até 2008. Desse modo, torna-se um importante documento histórico daquela época.

Algo muito difícil, além de ler o livro, que foi uma leitura de quebra de realidade por conhecer um Brasil ao qual eu nem imaginava, foi parar de passar marca pagina amarelo. É serio, são tantas frases incríveis, e entendi o Caco desde o início, por querer grifar o livro e mostrar para outras pessoas, no caso dele o pessoal do Profissão Repórter.

Então o Caco Barcellos faz o texto de abertura do livro, dando uma breve síntese da enxurrada de sentimentos das próximas paginas.

Sinceramente adoraria contar das 10 reportagens trazendo trechos e comentando, mas poderia parecer um grande spoiler e talvez não incentivaria a leitura. Então vou apenas comentar sobre alguns e falar sobre a parte verde mar (parte de comentários de cada reportagem).

Historia vivida de repórter e personagem 

O livro abre com as historias das parteiras indígenas da Amazônia, as quais como diz Dorica, uma parteira de 96 anos (em 2000), "Parteira não tem escolha, é chamada nas horas mortas da noite para povoar o mundo". Ela sempre esta acompanhada da irmã Alexandrina, de 66 anos (na época). Cada uma cumpri uma tarefa importante, de apoio mutuo, no parto para continuar povoando.

Outra parteira importante mencionada foi Jovelina, de 77 anos (na época), a qual também trouxe muitas crianças ao mundo e tem um belo sorriso.

Na visão das parteiras, o seu trabalho não foi uma escolha individual, mas escolhido por Deus, um dom. Desse modo, fica por tarefa delas trazer crianças ao mundo. Uma tarefa linda, a qual fazem de graça e de modo tradicional.

Eliane inicia o livro contando da beleza da vida nos olhos das parteiras, mas termina contando os últimos 4 meses de Ailce. Um maniqueísmo de vida e morte ou felicidade e dor, o qual o leitor entra na emoção do começo e sofrimento\luta para não acabar a vida.

FOTO

Esse sobre a morte e a Casa de Repouso foram as reportagens mais difíceis que eu já li. Talvez por eu ter perdido a minha avó, em 2017, tenha influenciado na minha reação durante a leitura e ela passou pela doença, luta pela vida e a morte como essas senhoras. Ninguém quer o fim, mas tem a escolha de lutar para evita-lo ou aceita-lo.

Então falaremos sobre "A casa de velhos", a qual Eliane se hospedou numa do Rio de Janeiro, por uma semana. Ela viveu a reportagem para contar a historia dos moradores, precisando sentir e conviver na rotina deles para entende-los.

Nessa casa em especial, há uma ala dos pobres, quem vive de graça para a casa não pagar impostos, e ricos pagantes de um quarto individual. Apesar da desigualdade, todos foram abandonados pela família sujeitos a raras visitas, enquanto outros não tem família para visita-los. Vivendo nesse lugar varias contradições como essa. Assim como as paixões internas, a espera da morte e uma nova chance de viver.

Esses moradores abandonaram uma vida de conforto e rotina domestica para irem ao "asilo"(odeio essa palavra), para colocar "A vida inteira espremida numa mala de mão",a frase favorita de Eliane, o por que só lendo o livro...

Além de historias na favela ou periferia em "Expectativa de vida: 20 anos" e "Um país chamado Brasilândia", que demostram um outro maniqueísmo do livro. A vida curta de jovens através do trafico e a vida unida dos moradores da Brasilândia, ambos mostrando visões diferentes da realidade da maioria.

Após ler a historia da repercussão do documentário "Falcão", ela conta a visão das mães que perdem os filhos cedo e começam a pagar o caixão deles ainda em vida. Como imaginar pensar na morte quando a criança ainda suspira, corre e brinca? Talvez você nunca tenha pensado nisso, mas isso ainda acontece no Brasil.

FOTO

Além das historias do "Povo do Meio", uma referencia a J.R.R. Tolkien: Terra do meio (autor de "Senhor dos anéis", caso você não o conheça), como "A guerra do começo do mundo" e "Coração de ouro". Esse último, conta a vida dos garimpeiros do Eldorado de Juma, pessoas que vieram de varias parte do Brasil para viverem a experiencia da "Serra Pelada" e a esperança da riqueza. Imagine condições sobre humanas só por uma pedra de ouro e um monte de gente encima louco para te-la também.

Nesse cenários, também tem as prostitutas, os vendedores e Zé Capeta. O que Zé Capeta? Sim, o dono da terra tem esse apelido, mas na verdade é manso e vitima do analfabetismo brasileiro. Se você se impressionou, a Eliane também ficou curiosa e conseguiu uma bela entrevista com ele.

Os garimpeiros não são só destruidores da flora local, mas são sonhadores por uma vida melhor para a família. O mesmo que faz uma pessoa migrar para outra região, mas quem nunca viveu a miséria gosta de jugar. Então tente apenas entender os fatos.

Porém esse sonho do ouro durou pouco, em 2017, houve danos numa barragem e afetou a região. Clique aqui para ver.

Voz da repórter 

"Escutar abarca a apensão do ritmo, do tom, da espessura das palavras. Escutar é entender tanto o que é dito como o que não é dito. Escutar é entender tanto o que é dito como o que não é dito. Escutar é compreender que o silêncio também fala -ou compreender que as pessoas continuam dizendo quando param de falar"

Esse é apenas um trecho sobre a importância do ato de escutar, pois ouvir não é o mesmo que escutar e aprende-se mais escutando que ouvindo. É essencial entender isso para saber como ela consegue ótimas entrevistas. Cada jornalista tem um jeito de entrevistar, por meio de perguntas direcionadas ou vagas para obter uma boa resposta, mas para ela é diferente.

Além desse trecho, tem outros que vou colocar no final da resenha para vocês entenderem o quanto é difícil não riscar o livro inteiro.Apesar do perigo de colocar esses trechos sem o verdadeiro contexto, mas o objetivo aqui é incentivar você a ler o livro e espero ter conseguido.

FOTO

Voltando. A parte do final de cada reportagem é um relato e momento de reflexão de Eliane sobre o processo de elaboração, experiencia de rua e ideias tidas durante o ato da escrita. Aliais importante destacar a grande importância para ela sobre a escrita e o seu amor imensurável pelas palavras, senti que estava lendo algo da Clarisse Lispector sobre o amor as palavras.

Nessas reflexões sobre a palavra também tem importantes ensinamentos sobre as suas experiencias no jornalismo, como atravessar a rua de si mesmo para entender o outro. São relatos de vida e pedras preciosas para a vida de quem escolheu a profissão ou ser um humano descente.

Além dessa parte apresentar uma pessoa real com medos, apreensões e dores como todo mundo, que consegue transformar a vida em obra de arte. Apesar de ser contra o seu ex-professor Mestre Leonam, que "Quando o jornalista é mais importante do que a noticia, um dos dois não é verdadeiro". Não que isso seja mentira, na verdade é essencial, mas as vezes exceções são ótimas.

Veja algumas frases tiradas do livro:

"E olhar para ver é perceber a realidade invisível"

"Olhar para ver é o ato cotidiano de resistência de cada repórter, de cada pessoa"

"Aprendi que repórter não é, se torna. E se torna ao ousar atravessar primeiro a larga e sempre arriscada rua de si mesmo"

" sou repórter quando me torno ponte entre Brasis"

"Olhar para ver é o ato cotidiano de resistência de cada repórter, de cada pessoa."

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...